Acerca do papel do Pai
“Ora, o pai – um pai de verdade – nunca será terceiro.
Nem é ausente”
Escrito por Eduardo Sá Domingo, 17 Março 2013 |, in PAIS e FILHOS
“Um pai de verdade nunca será terceiro. Nem é ausente.
É precioso nos mais pequenos gestos. É firme e sereno. É sóbrio. É justo e
arrojado. Terno e bondoso. E nem mesmo quando se afasta fica ausente.
1 - Ao longo da história, as famílias foram sendo
machistas e matriarcais. A mãe seria, formalmente, o número dois da hierarquia
familiar, embora fosse o elemento preponderante na educação dos filhos. O pai
respondia pelos recursos económicos e pela lei da família, embora fosse um
número um, realmente ausente nos momentos preponderantes da vida das crianças.
Em rigor, as crianças tinham dois pais mas nunca usufruíam de ambos em
simultâneo e por inteiro. Apesar disso, o pai sempre se acomodou a essa função
de elemento de segunda necessidade para o desenvolvimento das crianças: às
vezes, porque era colocado, pela mãe, longe da relação com os filhos; às vezes,
porque se excluía dela, tornando-se ausente.
O século XX transformou, profundamente, o lugar do
pai. As crianças foram morrendo menos no primeiro ano de vida e, por isso, as
gravidezes diminuíram. Os métodos contraceptivos tornaram-se mais eficazes As
mães passaram a ter uma vida profissional e muitos pais passaram a reclamar
mais vida familiar.
2 - O pai é importante para o crescimento das
crianças? É. E se muitas mulheres incentivam a «maternalização» do pai
(repartindo com ele a educação dos filhos), outras continuam a exigir para si
um protagonismo exclusivo que o coloca, invariavelmente, como terceiro na
relação mãe/filho.
Ora, o pai – um pai de verdade – nunca será terceiro.
Nem é ausente. É precioso nos mais pequenos gestos. É firme e sereno. É sóbrio.
É justo e arrojado. Terno, empreendedor e bondoso. E nem mesmo quando se afasta
fica ausente. É pai. Para sempre.
3 - Mas há pais que se ausentam e, com isso, magoam um
filho. Haverá – de forma simplista – três formas de um pai se tornar ausente
para os seus filhos: quando morre, logo que se demite e sempre que se afasta.
Há pais que morrem em vida, devagarinho. Serão, entre
todos, os mais dolorosamente ausentes. Acompanham a vida dos filhos, desde
sempre. Mas desconhecem-nos. Demitem-se de lhes ler o coração ou de se colocar,
por instantes que seja, no lugar deles. Imaginam valer pelos bens que transmitem
e nunca pelos sonhos que conquistam (esquecendo que os pais mostram um caminho
sempre que o percorrem, nunca se o indicam). Mas morrem um bocadinho se não
abraçam. Morrem quando não brincam. Morrem sempre que decepcionam. E são tantas
as decepções que os seus gestos acumulam que, quando morrem de facto, os filhos
atestam um óbito (mais que desmoronam num choque). E, ao morrerem, deixam a
pior de todas as saudades: a saudade pelo que não se viveu. Não são pais pelos
gestos que dão mas por tudo o que os filhos desejavam que dessem.
4 - Outros pais tornam-se ausentes quando se separam.
Ao contrário do que se diz, não são, por isso, piores pais (embora alguns
destes só despertem para os seus deveres de pais com o divórcio). E, se bem que
muitos sejam, escandalosamente, descriminados pelo género sexual, quando se
trata da atribuição do poder paternal dos seus filhos, muitos divórcios são
amigos doutros pais: atribuem-lhe os filhos pelo tempo que, de modo próprio,
nunca reivindicariam (tornando-os mais presentes, por dentro, depois de se
tornarem, realmente, ausentes, por fora).
O grande problema dos pais de fim-de-semana é que se
sentem tão pouco pais que imaginam valer mais pela benevolência de Pai Natal do
que por eles próprios. Daí que desde o circuito das pizzarias, nos centros
comerciais, até à forma como competem pelo amor dos filhos, em troca de uma
t-shrt ou de outros ténis, tudo vale. E, pior, sempre que não são telepais, o
exíguo espaço de tempo que compartilham com os filhos, empurra-os para a função
de amigos mais velhos, mais ou menos demissionários (quando se trata de definir
regras ou limites) que é tudo o que um pai não deve ser.
Alguns destes pais tornam-se ausentes por fora e por
dentro. A sua ausência parece legitimá-los nas omissões em relação a momentos
fundamentais da vida dos filhos. Falham nas alturas em que a sua presença seria
imprescindível. Exigem e intimidam, como se todos os direitos que reclamam não
se devessem iniciar em idênticos deveres. Na verdade, não são pais. São,
simplesmente, progenitores.
5 - Ora, o pai – um pai de verdade – nunca será
terceiro. Não é ausente. Nem amigo ou progenitor. É precioso nos mais pequenos
gestos. É firme e sereno. É sóbrio. É justo e arrojado. Terno, empreendedor e
bondoso. E nem mesmo quando se afasta fica ausente. É pai. Para sempre.”